terça-feira, janeiro 19

21 dias

Comecei a acreditar em uma segunda. Ela não havia ligado e eu sabia que em algum lugar, de alguma forma, havia uma certeza que me pertencia e dizia que as linhas que eram escritas sobre mim acabavam de tomar um rumo avesso. Não fiz nada além de ficar em casa, dormir e esperar nascer de novo, eu e o sol. Fato. Era terça e já acreditava piamente. Não foi preciso fazer nada, mudar nada, sequer esperar quitar todas as dívidas. Lá estava eu, tão novo e púbere quanto nos meus primeiros dias de vida, tardios. Eu me embolava, complicava, dizia muito para me surpreender da forma mais simples possível: eu estava apaixonado.
 

Nada me doía. As costas inesperadamente descobriram o melhor lugar da cama e despertaram dispostas a andar tudo o que andamos aquele dia procurando uma galeria que ela dizia ser na próxima, na outra, aqui, nessa esquina. Nada de galeria e ficamos parados enquanto a chuva não aliviava e me olhava e eu sabia, misteriosamente, assustadoramente, eu sabia.
 

Comecei a desistir numa sexta. Noite. Plano médio de eu ao lado do telefone. Penumbra. Trilha: Alanis Morissete, ainda não era tanto pra Adriana Calcanhoto. Era manhã de sábado quando me senti o mais estúpido por ter duvidado. Fomos à praça, ao parque, ao céu, ao inferno, ao cinema e ao deus-dará.
 

Fazia frio quando ela disse não ter aonde ir. Aprumei o travesseiro e tirei a outra toalha da gaveta. Ela fazia mais fumaça que eu, acordava depois, sabia antes e nunca me dava tempo para preparar os argumentos com que havia vencido as batalhas dos anos passados. Eu me deixava no sofá a vendo borboletear pela sala com a garrafa na mão, me oferecendo ela, que eu absorvia com goles cada vez maiores.
 

Quando era domingo, ela foi embora. Primeiros as malas, depois as roupas reservas, por fim eu fui. Fiz vigília em frente à casa, ao trabalho, o novo namorado, o antigo, o meu passado e o futuro dava medo. Dizia que a preferia a viver em paz. Que ela era tão Paris. Que era só o resultado do contrário e nada fazia sentido.
 

Passei as roupas velhas, comprei novas, aprendi italiano e a língua da outra. Era segunda e pela primeira vez me dei conta que a velha história se desenhava em novos contornos. Eu voltava a começar a acreditar que em algum lugar, de alguma forma, não importava mais. Eu estava apaixonado.




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