segunda-feira, maio 31

Catorze


Tem 14 anos que eu e Junia somos juntos e ainda não aprendi os detalhes de ela ser. Vez alegre, outra triste. Acordou animada e logo não vê motivo para sair. Me ama e desama como ama e desama o mundo todo. Tem 14 anos que a Junia eu não entendo e todo dia eu quero o dia seguinte.

Cansei de ela ser umas três vezes, duas em agosto e uma na escola. Era pequeno ainda quando Junia e eu brincava que era advogado e ela me pedia divórcio. Pedia tanto que dei, aceitei, consenti, resignei e cansei até saber que cada pai tinha ido para um lado com ela no meio e nem estive perto. Descansei ela fugindo das aulas de matemática e ensinando a subir na árvore que era onde ela se escondia do que a separava.

Agosto cansava do aniversário e de tristeza ela invadia a vida afora. Não me deixava nem no trabalho ligando hora sim hora também pra ficar calada. Soube que tinha medo e descansei ela na adega do restaurante que é onde o tempo parado melhora o sabor.

Teve vez outra que dia dos pais ela quis fazer o filho. Sabia que o menino era o homem que havia partido e brinquei ser forte fazendo dela mulher. Se fez de fácil, de santa e amor já era quando descansei ela no peito nu.

Ela queria casar e eu viver. Dividimos a casa e já era lar quando ela disse que vinha uma criança. Não veio. Parou no caminho e nós ficamos assim perdidos. Veio o segundo e ela renasceu na primavera. Aparecia assim em flor perfumando a casa e não tinha raiz flutuando leve pelos cômodos. Logo murchou e mal me quer caiu pelo chão escorrendo o nosso futuro em vermelho. Me pediu vai vem abraça solta mata socorre e levei nos ombros o peso de nós dois e os outros tantos que não sairiam dela.

Bateram dez anos e ela quis Paris. Ofereci vinho e ela disse que partia. Havia um mundo grande ela tão grande e eu não. Correu meio corpo pela metade quando bateu à porta tarde já. Pelos fundos expulsei outra e abri a casa coração colchão e ficaria semana só, mês talvez e mais quatro anos.

De Paris fez Londres para Nova York e mundo afora se foi perdendo. Eu meio bêbado a vi entrar pela porta dançando sem malas e pintando as paredes, mudando mobília, levantando paredes e gritando sem medo amor o mundo é isso.

Dia cheguei em casa e tão vazio me assustei. Da sala, cozinha, banheiro em nada ela estava. Chorava como menino e ela entrou. Nova. Toda vigor e grávida me deitou em sua barriga. Meu mundo orbitando aquela barriga que me orbitava e ela era meu mundo. Ela meu mundo inteiro a desvendar e descansar.


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domingo, maio 23

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Dia a dia não tem mais hífen e nem por isso a vida tem mais pausas.


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quinta-feira, maio 6

Volta


Ela é todo laço.
Toda volta.
Me revolta tanto embaraço.
Me contorna, me prende.
Repreende quando me solto.
E sempre volto.
Então em enlaça e, entrevoltas, desembaraça os fios soltos.
Desata os nós e, entre nós, me deixa livre, como se solto não estivesse já preso entre seus laços.


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