terça-feira, setembro 20

Lente

Eu vou tirar um foto sua. Vou clicar devagarzinho. Vai ver você sai com os olhos meio fechados como se acordasse. Como se fosse eu que acordasse você com minha máquina mágica. Vou capturar a sua alma. Devagarzinho.

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domingo, setembro 18

Parei. 18:15. Corri os andares do prédio em frente. Faltavam poucos minutos. No topo, lá estava: o céu alaranjado, ardendo o sol que se ia. Fotografei.

O fogo.

A viagem estava marcada há meses e, ainda assim, ela me agarrava todos os dias que saia para o trabalho como que para deixar sua pele grudada na minha. No trabalho, me perguntavam como seria. No supermercado, me perguntavam. Só ela não perguntava e era a única para quem eu não tinha uma resposta.

Era o último dia na cidade e ela me pediu para não fazer nada a não ser estar com ela. Subimos a serra. Passamos a tarde sendo um ao outro antes que fosse tarde. O sol se pôs longe e ela disse: estou eternizando esse momento.

Parti.

O avião aterrissou antes da noite. Ainda na pista, apontei a câmera e eternizei o sol que se punha. Passei três meses entre tons de laranja, vermelho e amarelo. Fui a parques, torres, mirantes, árvores e aonde mais pudesse me despedir do dia.  Em cada clique, sentia que o sol levava para o outro lado do mundo o meu calor.

18:16 e voei para o aeroporto. Voltei. Corri a casa dela, bati, apertei a campainha, chamei, encostei a cabeça e ouvi os passos que vinham longe. A porta se abriu. Ela atrás.

Entrei.

Mostrei os tantos momentos que eu eternizei. Ela mostrou a parede azul que havia pintado. Eu falei de como o clima esteve perfeito por lá. Ela falou de que como havia chovido por aqui. Eu trouxe o fogo. Ela apagou.

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sábado, setembro 17

Le Coin Perdu

Você ensaiou o que esperava ouvir de mim. E eu vim, com o vinho e a confiança de abrir a porta, preparar o saca-rolhas e sentar no seu sofá tinto sem dizer nada. Eu prefiro me apossar.

Dono do vinho, do mundo, da ida, do vinho, no fundo, eu não me importo. Estendo a taça e você me emudece cada gole. Seca e com a calma que só tem quem chega ao limite, repete todas as palavras que, em um mundo onde eu não sou o dono do vinho, eu estou dizendo.

Veja bem que você não sabe fechar a porta, abrir um vinho ou calar a boca. Deveria ter trazido o queijo. Você mastigaria e eu poderia digerir tranquilamente o seu silêncio. Depois seria todo aquilo de sempre: você respira, decanta no canto do sofá e está pronta. Fluida, toma conta da minha boca, cheia de tudo o que eu não disse e dos sabores que você imagina. 

Não hoje. Este é um bom ano para quem não se importa e eu não vou desperdiçar meu Le Coin Perdu. Fecho a porta e vou com o vinho.


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