sexta-feira, setembro 24

A música que um dia te falei


Demorei para lembrar se seu aniversário era dia 20 ou 21. Demorei até demais. Quando lhe vi no café, já era quarta-feira, dia 22, e você me olhou com toda a decepção do mundo. Eu bem queria ter feito diferente, nascido diferente, quem sabe? Você não sabe. Nem suspeita que guardo e conheço os detalhes de todos os seus detalhes.

O que eu sei de datas? São números e só. Toda semana, bloqueio minha senha e passo os dias sem dinheiro. Em janeiro, ou outubro, não lembro,  você me deu seu telefone. Só liguei depois de uma semana, não porque eu não importasse, é que tive que tentar muitas combinações diferentes já que me confundia entre o 3 e o 6. Quando você atendeu pensando ser seu irmão e disse Oi, carinho, eu fiquei mudo.

A sua terceira pinta no ombro não é pinta, é de quando você se machucou na casa da sua tia. Sua boca treme um pouquinho quando você fala do seu pai. Não teve palhaço na sua festa de 7 anos. Xampu no olho é seu terceiro maior medo, depois de baratas voadoras e de filmes com zumbis. Você gosta que mexam no lado esquerdo do seu cabelo e odeia conversas sobre animais.

Naquela caixa que eu segurava quando lhe encontrei um ou dois dias depois do seu aniversário, trazia um pequeno presente para cada um dos seus 21 anos: para se lembrar do seu pai, um regador de plantas verde; para o nascimento prematuro, um despertador sem ponteiros; para a mania de rodar os anéis nos dedos, mais anéis; e assim ia.

Antes que eu pudesse dizer qualquer palavra qualquer, você apenas disse que já não valia a pena se o que era importante para você, eu ignorava. E enquanto você caminhava na outra direção, a nossa música tocou.

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