Lia uma sucessão de rimas que não teriam fim não fosse a campainha ter tocado em um sábado imprevisto. Pela porta, o irmão entrou, fez do sofá um forte de onde não saiu pelos três dias posteriores. Entre ambos, reinava um silêncio impositivo, mais fruto da inabilidade do diálogo que propriamente dos anos de separação. Almoçavam sem trocar uma palavra e, por um pacto um tanto difuso e impalpável, entendiam-se quanto a esses assuntos domésticos que seriam comuns de discutir nos quatro meses que já dividiam o pequeno apartamento.
O desconforto seria evidente se trocassem olhares ao menos pela manhã, tomando o café dia feito por um, dia por outro. Por pouca conveniência e nenhuma prática, havia se habituado à presença do irmão, interrompendo-lhe a leitura tornada muda toda vez que bocejava ou se revirava no sofá, a essa altura sua única propriedade. Dormia ao lado da estante e nem por isso havia se atrevido a lhe lançar o menor sinal de interesse. Por seu lado, do quarto ele vigiava a noite, apurava o ouvido ao menor ruído e se pacificava ao ouvir o ronronar tardiamente distante. À noite sucedia o dia e a rotina com a qual não se acostumava durava mais de um ano.
Surpreendeu-se quando chegou e, da sua poltrona, o irmão lia as páginas intocadas de Carlos Magno. Levantou o olho apenas para cumprimentar e logo voltou a sua outra existência. Em um simples movimento, havia conquistado o reino de um homem.
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