sábado, agosto 25

Balanço, balança


O corpo chegou à velhice antes de mim. Eu era ainda o mesmo garoto quando os ossos começaram o sussurro, fazendo das juntas a voz: daqui para frente, só restam despedidas. Os cabelos foram os primeiros a partir, flutuando no espaço até o azulejo frio do banheiro, um longo caminho entre a imaginação e os pés no chão. Com eles, me despedi do que me enchia a cabeça. Não me dava mais conta da luz que vencia e perdia os compromissos, os que interessavam e os que não.
Passavam os dias e o passado se afundava no fundo da cabeça, na curva em que a nuca dói, e por lá sumia, entre aniversários e onde deixei as chaves. Esquecia também o vizinho, o café no fogo, a chama. Não sei se truque ou travessura, voltava o que havia perdido há tanto que não lembrava. Eu revivia as brincadeiras do colégio e ao redor o mundo perdia matéria.
As forças foram embora antes que eu as pudesse agarrar, colocar embaixo do colchão e guardar segredo, sabendo que só eu sabia que elas valiam fortunas. A saúde não me poupava e rendia noites insones e dias sonolentos.
Quando não podia mais ficar de pé, sentei. Meu canto era a sala de estar, a janela aberta e a vista cansada preferia não usar óculos. A paisagem ficava turva e mais turva e eu não me importava, com as pálpebras fechadas e os olhos virados para dentro. A cadeira me ninava e eu era ainda o mesmo garoto, adormecendo sem despedida.

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